O futebol no Brasil transcende o conceito de esporte, pois é uma característica cultural que atinge milhões de pessoas, independentemente de classe social, gênero ou idade. Nas arquibancadas, famílias, amigos e desconhecidos se tornam uma só voz em apoio aos seus times.
Este esporte se transformou em um fenômeno nacional, reunindo torcedores de todas as partes do país em torno de um sentimento coletivo de paixão. Entretanto, por mais que o futebol seja um reflexo da nossa diversidade, ele também reflete as desigualdades estruturais da sociedade brasileira, principalmente quando o assunto é a representatividade nos estádios. Ao pesquisar na internet ''torcedores na arquibancada'', a festa e a alegria de diversas torcidas aparecerão, mas ao olhar profundamente, a pele branca predomina nas fotos.
A falta de representatividade nos estádios pode ter várias explicações. Uma delas é o valor dos ingressos.
Conforme pesquisa realizada pelo Portal Futuro Livre, 77% dos entrevistados afirmaram que o preço dos ingressos influencia diretamente sua decisão de ir ao estádio, especialmente entre os que possuem renda mensal de até um salário mínimo (34,4%, de acordo com a pesquisa). A pesquisa revela que 33% acreditam que o valor não influencia diretamente.
Essa paixão unificadora, entretanto, esconde uma faceta menos perceptível – a exclusão racial que ainda permeia os estádios brasileiros.
Nos diversos registros televisivos ou até mesmo por selfies espalhadas pelas redes sociais, torcedores fanáticos brilham e se tornam o 12º jogador. No entanto, a alegria cantada pelas torcidas nas arquibancadas esconde um velado racismo estrutural.
A pesquisa revela que 47,5% dos entrevistados consideram o preço dos ingressos “caro” e 23% o avaliam como “muito caro”, já 24,6% consideram o valor neutro. Entre os frequentadores, 42,6% disseram que costumam pagar entre R$ 50 e R$ 100 por ingresso, enquanto 31,1% desembolsam entre R$ 100 e R$ 200. Esses valores, no entanto, estão fora do alcance de grande parte da população.
Embora os estádios sejam, em teoria, espaços acessíveis para todos, a realidade de muitas famílias e torcedores reflete uma segmentação dos públicos de acordo com o poder aquisitivo. A pesquisa revelou que 32,8% dos entrevistados frequentam estádios raramente e 29,5% nunca vão, reforçando como as barreiras de acesso se traduzem em ausência nos jogos. Apenas 3,3% dos entrevistados dizem ir sempre.
Nos últimos anos, o preço dos ingressos nos grandes clubes do futebol brasileiro disparou. Entre 2003 e 2013, o preço médio dos ingressos aumentou 300%, enquanto a inflação do país no mesmo período foi de 73% (FGV, 2013). Esse aumento foi especialmente visível nas arenas modernas construídas para os jogos da Copa do Mundo de 2014, como o Maracanã e a Neo Química Arena. Esses estádios, embora impressionantes em termos de infraestrutura e conforto, têm preços de ingressos muitas vezes fora do alcance da população de classes mais baixas.
Esse cenário de exclusão racial e social nas arquibancadas vai além das questões econômicas.
O que se observa é um processo contínuo de fragmentação e elitização do futebol, em que um esporte originalmente popular se torna uma propriedade de uma minoria que, além de elitizar o acesso aos espaços, contribui para a perpetuação de um ambiente onde a diversidade social e racial é cada vez mais apagada.
O Brasil é um país de imensa diversidade, com 55,5% de sua população se autodeclarando negra (IBGE, 2022), mas essa representatividade não é refletida nas arquibancadas dos estádios, especialmente nos setores mais caros.
As torcidas organizadas, por sua vez, se organizam em espaços que, muitas vezes, refletem essas dinâmicas segregadas. Embora tenham sido formadas para unir os torcedores em torno de uma paixão pelo clube, os espaços ocupados por essas torcidas acabam por reproduzir as divisões sociais e raciais.
Elton Silva de Jesus, torcedor apaixonado pelo São Paulo e negro, relatou em conversa com o Portal Futuro Livre que, das diversas vezes que foi assistir a jogos em estádios, a quantidade de negros era visivelmente menor do que a de brancos nas arquibancadas.
Seu relato reflete uma realidade que vai além da experiência individual, ilustrando como a exclusão racial nos estádios ainda é um problema que precisa ser enfrentado de forma urgente.
Por outro lado, as tentativas de algumas torcidas de transformar seus espaços em ambientes mais inclusivos ainda esbarram em desafios significativos. A falta de apoio por parte dos clubes e do poder público e o próprio estigma associado às torcidas organizadas como grupos “violentos” acabam minando essas ações. Apesar disso, iniciativas como campanhas de acessibilidade e códigos de conduta têm surgido para promover respeito e diversidade, mas ainda faltam ações mais focadas no combate ao racismo nos estádios.
A pesquisa completa feita pelo Portal Futuro Livre está no nosso Instagram: @portalfuturolivre